Estéril, esterilização e esterilidade – a linguagem de manter as coisas livres de contaminação
John Batts – Senior Technical Trainer, Masterflex Bioprocessing
Quando se trata da produção biofarmacêutica, uma coisa de extrema importância é manter um caminho de fluido livre da contaminção de microorganismos. É comum ouvir estes termos estéril, esterilização e esterilidade. Mas o que querem dizer – e como é que podem ajudar-nos a compreender melhor como se pode chegar ao objetivo de eliminar o risco de contaminação com os produtos que estão a ser produzidos?
Vamos olhar para as definições oficiais destes termos e depois analisar melhor os seus significados, de modo a ajudar a diferenciá-los uns dos outros.
- O primeiro termo é estéril. Uma coisa é estéril quando está “livre de microorganismos (vivos) viáveis”.
- O segundo termo é esterilização. Esterilização é “um processo validadio, através do qual um artigo, superfícies ou meio é libertado de todos os microorganismos vivos, quer no estado vegetativo ou esporo”.
- O terceiro termo é esterilidade. Esterilidade é “o estado de estar livre de microorganismos viáveis”.
Obviamente que estes três termos estão relacionados, mas vamos olhar para cada um com mais detalhe.
Estéril
Ser estéril é um termo absoluto, um ideal que é virtualmente impossível de alcançar. Microorganismos – coisas como virus, fungos e bactérias – que abundam no nosso mundo, vivendo normalmente sem serem detetados na maior parte das superfícies. Eles podem estar presentes nas pestanas, células epidérmicas, partículas de pó – sem mencionar as superfícies comuns, tais como a roupa e embalagens de cartão e plástico. A maior parte das vezes, a presença destes microorganismos não tem um impacto percetível na nossa vida rotineira – de facto, em muitos casos, é bom que estes microorganismos estejam presentes.
Porém, há momentos em que a presença de microorganismos pode ser prejudicial. Sobretudo na pesquisa e produção biofarmacûutica, onde os cientistas frequentemente trabalham com estirpes específicas de material biológico concebido para produzir produtos bioterapêuticos. Nesses casos, a presença de material biológico estranho oriundo de microorganismos pode comprometer a eficácia e segurança do produto final.
Esterilização
Para remover esses microorganismos, são aplicadas frequentemente técnicas de esterilização. Muitas pessoas tendem para a autoclavagem como método preferencial. No entanto, ao mesmo tempo que é uma técnica experimentada e comprovada, existem inúmeras limitações à autoclavagem, que a tornam difícil de implementar em ambientes de produção em larga escala. É comum muitas empreas biofarmacêuticas empregarem uma das várias outras técnicas de esterilização – cada uma com as suas próprias vantagens e limitações.
Uma técnica de esterilização comum é o uso de óxido de etileno (EOor EtO). O óxido de etileno é um gás penetrante que pode migrar bem para superfícies do produto, mesmo quando estão presentes grandes lotes. Adicionalmente, o EO é, por norma, quimicamente compatível com a maior parte das superfícies, mas o EO pode deixar resíduos sobre a superfícies dos produtos sujeitos à esterilização. EO é perigoso para trabalhar;, pois é inflamável e explosivo. Por causa da sua sensibilidade à temperatura e humidade relativa, é um processo geral complexo que pode levar dias para chegar à máxima eficácia.
Com os desafios do EO, tem-se dado mais atenção a métodos baseados em radiação para efeitos de esterilização. Estas metodologias alternativas têm várias vantagens, incluindo menos configurações complexas, menos tempos de funcionamento e a capacidade de trabalhar com embalagens impermeáveis (que permitem que os produtos acabados sejam esterilizados mais eficazmente na sua embalagem final). Um destes métodos é conhecido por feixe de eletrões (ou E-Beam). Com a tecnologia E-Beam, o produto acabado é exposto a uma corrente concentrada e altamente carregada de eletrões gerados por um acelerador. Esta corrente de eletrões altera as ligações químicas, que danificam o ADN de qualquer microorganismo que possa estar presente, destruindo a sua capacidade de reproduzir. Apesar de a tecnologia E-Beam ser muito eficaz, ela tem limitações – incluindo o tamanho dos lotes que podem ser processados, e também não é adequada a produtos com complexas geometrias ou compostos por material de elevada densidade.
Para superar estas limitações com a tecnologia E-Beam, uma das técnicas de esterilização mais aceites e usadas é conhecida por irradiação gama. A radiação gama é uma forma penetrante de radiação eletromagnética. Tal como o E-Beam, com a irradiação gama, o resultado implica danos no ADN dos contaminantes e nas estruturas celulares. Dependendo do nível de exposição da radiação, os microorganismos contaminantes podem morrer. Devido ao tipo de energia produzida, a irradiação gama pode ser usada para penetrar completamente mesmo em produtos muito densos, sendo eficaz mesmo com lotes grandes de produtos. Outras vantagens incluem não serem dependentes de produtos químicos específicos ou do calor, nem serem impedidos por geometrias do produto. Também há limitações; uma das principais é o facto de a fonte de radiação ter de ser reposta e revalidada de veze em quando e o facto de a radiação produzir mudanças indesejadas em muitos produtos médicos. Por causa disso, a irradiação gama é normalmente mais usada com produtos físicos, tais como os conjuntos de tubos, conexões, etc.
Conforme discutido, o objetivo destas técnicas de esterilização é ajudar um produto acabado a conseguir esterilidade total e poder ser identificado como estéril. No enanto, é funcionalmente impossível garantir a 100% que todos os microorganismos contaminantes são totalmente eliminados mediante o processo de esterilização. Deste modo, o grau de esterilidade é expresso em termos do seu Nível de garantia de esterilidade.
Nível de garantia de esterilidade (SAL)
O Nível de garantia de esterilidade – ou SAL – é a probabilidade de um microorganismos viável único que ocorre num item pós-esterilização. No mercado dos dispositivos médicos, o SAL pretendido é 10-6, ou seja existe 1 em 1.000.000 probabilidades de um organismo sobreviver no fim do processo de esterilização. Apesar de não estar totalmente estéril, com um SAL de 10-6, não há virtualmente nenhum risco de contaminação no produto acabado e, por conseguinte, não há virtualmente nenhum risco de prejudicar humanos em contacto com esse produto acabado.
Garantir que os produtos são livres de qualquer contaminação pode ser um processo complexo. Apesar de não haver nenhuma solução “única”, existem inúmeras técnicas de esterilização eficazes que podem ser empregues em produtos acabados para assegurar o nível pretendido de esterilidade, garantindo assim a segurança daqueles que usam e beneficiam do produto acabado.
Autor:John Batts – Senior Technical Trainer, Masterflex Bioprocessing